sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Carta IV

Quando, por último, quis saber
Qual foi o destino de Ana
Rafaela percebeu que toda
aquela conversa enfadonha ao telefone
era um ardil.
Disse-me que Ana havia conhecido outro rapaz
Disse-me que cantava, e dançava como não fazia
Quando estávamos juntos.
A terra tremeu sob meus pés, fiquei surdo
aos ganidos de Rafaela.
Desliguei.
Ana e eu tínhamos - mais tarde percebi-
Um para o outro, um amor metafísico
Quase tristonho, e sem muita intimidade.
Juntos,olhávamos a chuva, cantávamos
músicas invisíveis, deitávamos os olhos
nos clássicos, amávamos a nossa própria
maneira de transcender.

Ana não precisa mais de mim,
Ana não precisa de clássicos, ou de chuva
Nem de transcender. Precisa de um homem
E eu, não fui homem.

Só a fiz Nadar no éter,somente
Experimentar, roçar sua pele
Na na pele dos deuses.

Ana agora mora na rua Senador Gaspar Coelho, num prédio amarelo.
Leva sua filha ao balé, e de lá, vai para o mercado. Volta pra casa
prepara a janta, põe a mesa, dança e canta com o marido, faz amor e dorme.
Porém quando ela dorme,
uma tribo de bicos-de-lacre
voa até a janela do quarto de casal
e canta os versos que eu escrevo.
Ela lembra, enquanto dorme,
Que eu passei.
e quem sabe, foi essa
A minha única sina.

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