terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Cessar-fogo

Todo carnaval é um cessar-fogo. Um desafogo, um fôlego. Algo que mergulha no falso sagrado, ou verdadeiro profano -moeda de quatro faces- paradoxo. A calhar bem, cai no verão, onde é deveras facilitado que o espírito idólatra que reside em todo brasileiro se exalte, externalize sua forma pagã. Não que eu me queixe! Exalto-o, apenas. O carnaval é a pausa na peleja do ano, é a calmaria de uma ressaca de trezentos e sessenta e cinco dias. É merecido. E desse merecimento nós vivemos. Ansiosos, administramos nossos vinténs e segundos, planejamos nossas andanças, viagens e retornos... Uma semana antes, quase devorando o próprio fígado de tão ansiosos! Tudo planejado? Pulamos no abismo da sexta-feira, arregaçamos as mangas e entramos na folia. Os planos se vão, tudo se esvai. Não somos nossos mais. Como grãos de sal sendo revolvidos pelas ondas, não sabemos onde vamos ou se retornamos, extasiados, dilacerados, desfeitos à golpes de alfaia e surdo. Repiques e tamborins. A loas quebram nossos espíritos, os sambas transpassam nossas almas. E sorrimos por isso! Agradecemos! E na quarta-feira, somos queimados em uma grande fogueira, dançamos, como bacantes entorpecidas, dançamos e cantamos e rodamos em meio ao fogaréu, entregues por conta própria às chamas! E tudo se esvanece em cinzas e confetes... Morremos? Não, renascemos, poderosas fênix de asas douradas, deuses renascidos depois do Armagedom. Limpamos as cinzas das roupas, limpamos os confetes dos sapatos, e retornamos para a guerra. Renascidos, porém.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Ressaca.

Quero beber a mais herética das liberdades
O mais doce e denso dos amores
A última gota dos dilemas
Quero beber a vida, em goles rápidos
Estasiantes, sufocantes! Sem respirar!
Quero beber o vento, o mar, o sol...

Mas eles estão lá fora, revoltados com
A minha sede. Eles estão no meu portão
Bloqueando a brisa tépida, o mar bravio
E o sol sem coroa.
Queria bebê-los também, absorve-los
Mas não os engulo a seco. Por isso
Bebo a mim mesmo, me consumo,
Quando estou bêbado de mim
Vomito o que eu sou e fui
Aqui.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Sophia (Musica de ninar)

Se já te faltar a euforia
Se o mundo negar a alegria
Se mesmo no dia mais quente
Você não se sentir contente
Sorria, Sophia...

Não para disfarçar a agonia
Nem uma falsa melancolia
Sorrir é o melhor remédio
Contra a dengue e contra o tédio
Sorria, Sophia...

Se tudo que há te aborrece
Sua vida sem graça te entristece
Engula então a monotonia
Sorrindo para fotografia
Sophia, Sophia!


2007


domingo, 9 de fevereiro de 2014

Reza dos homens-vermelhos

A benção a Monã, pai criador
Por Nhanderuvuçú criado
Neste mundo seco e beligerante
Onde perdidos, os teus filhos
E os filhos de seus filhos
Pelejam e fogem das garras de Anhanguera
Livrai-nos dos homens-brancos
E de todos os maus-intencionados
Protegei a estirpe de Sumé
Pai de Tamandaré, Ariconte
E de toda a nação Tupi
Mantem-me reto no meu
Peabiru.
Pois há todo tipo de mal
Na beira do caminho.
Mas, pela graça de Guaraci
Jaci, e todos os grandes espíritos
Vencerei a escaramuça
E meu destino será grande, vitorioso
Até meu corpo retornar ao chão
E meu espírito, assim como o dos meus ancestrais
Descansarem, emfim, na casa da luz celestial
Onde todo homem é igual, e toda dor é curada.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Aos vazios que hão.

...Então. Antes eram grandes e complexos planos de fuga, hoje, grandes e urgentes planos de luta. Não me refiro aos antigos pactos nem aos novos. Não me refiro às antigas juras sob a lua, nem as novas, no meio-fio. Refiro-me a mim, cansado sempre, triste sempre, sozinho sempre, conflituoso sempre. Há em mim uma sombra no peito, sem ter origem em coisa humana ou inumana -transeunte- entre estes dois estados. Aqui há, entre esses grandes espaços, um outro espaço muito mais vasto. Um hiato entre a sala e o quarto. Um abismo de sossego desesperador. E entre esses dois momentos, eu existo. Existo, existo, existo. Nasceram comigo estas grandes vastas lonjuras? Essas enormes enormidades? Vastidão vazia, no espelho enxergo nos meus olhos. Há, que, talvez. Pois bem, não me queixo de todo aos outros amigos e parentes meus mais próximos. E quase tudo, tudo, que escrevo é de caso pensado e baseado em mim e em meus nobres mortos. Se há virgula sem posição certa, se há acento ou letra maiúscula sem carecer ou carecendo, é por meu querer só. Poesia. As vezes eu rio, nunca choro. Abate-se-me um banzo só. Coisa miúda e de pouca duração. Mas nunca feliz inteiro, nem infeliz total: meramente meio-a-meio. É ruim, sempre esse não ser-sendo, esse Eu cheio de vazios. É ruim? Me aturo. Com dificultosa ternura, me aturo. Talvez seja a minha pena - E todo mundo nesse mundo não tem uma?- Pena. Sinto, as vezes, que espero algo. Um susto grande e alegre que me revelaria muitas coisas boas! Talvez, eu espero sempre alguma coisa mais funda e profunda, uma coisa mais larga e alta. Sinto que espero uma grande coisa oculta, uma transcendência magnífica, uma catarse tântrica. Espera, zé! Espera o que não chega. Meus vazios, talvez, tem a consistência e o fundamento no meu esperar. Esperando não me preencho. Porém, vazio , só me basta esperar. O quê? Vou fazendo coisa pequena, escrevendo e vivendo enquanto espero.Poesia. Então...

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Maio & Junho

Portugal , o berço
Vejo invernos, cruéis
E vejo um terço
Dos teus fiéis
A congelar em teus bordéis

Velho mundo, não te tema
Hei de te ver novamente
Com primavera amena
E te ver de repente
Outra vez, Vila Morena

Brasil, o gigante
Antes ver-te caminhar errado
Do que ver-te, vacilante
Em teu berço dourado
Ressonando, retumbante

Com meditação serena
Todo passo se acerta
Faz da tua labuta pequena
Tornar-se grande, outra meta:
Fundar em ti, Vila Morena.