terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Adendo II

Os meus ombros não estão mais cansados
E reclamam por não estar
Era o teu peso neles, dizem
que me mantinha enraizado
- menos que um arbusto
Agora sou Jequitibá
Roço o céu, entediado
Alto como um Deus
Com saudades de ser menos que um arbusto
Com suas pernas trançadas, trepadeira roseada
Coroando minha inútil humildade
Minha paz era o meu não ser grande
Minha paz jazia na pequeneza que nos rodeava
Semente que se promete
Broto que se imagina
Se planta, se rega
se vira
E nunca mais se olha.

Vira

Estourou no alto, desta terça-feira, um jogo de fogos de artifício. Logo depois, muitos populares gritaram e beberam cidra, comemorando. A polícia procurará os suspeitos na quinta-feira.
Nenhum grupo assumiu a autoria do ano-novo.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Amor IX

Facilmente confundido
Este ente esquecido
No fundo da mata verde
É, por outros, impelido
A bancar o empretecido
Alheio, confuso e inerte.

Confuso ou esclarecido
Avançado ou reprimido
Azul, ou vermelho agreste
O amor, mais que querido
Sempre há de ser nascido
E renascido quando bem queres


quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Grito de cimento e pedra.



 Se não fossemos nós
Babel nem arranharia o céu
Roma ainda estaria no papel
E na areia, jazeriam os faraós

Se não fossemos nós
Qual torre se ergueria?
Qual rio afluiria?...
Queimariam,sim, sob os sóis!

Nosso sangue e suor:
Argamassa!
Nossas lágrimas de dor:
Vossa graça!
Nosso luto:
Vossa diversão!

Não nos fazem sombra
Estas torres
Que erguemos c'os ombros
E ardores!
E estes muros:
Sempre nos excluirão.

(Gabriel Ferrão)

Adendo.



 Quando eu mais nada ser
deixem minhas pérolas
Onde os porcos possam ver.
E no final, reguem o chão
com o que sobrar de mim
Pois enfim,
eu serei o momento exato,
entre o estéril nada há...
e o cerne do micromilésimo brotar.
E quem sabe então
Grão.

1987-2006



 Sorrias, parecia, de repente
E as flores não escondiam no seu ventre
A promessa de paz, imaculada.

Era princesa que dormia, circundada
Pelas rosas mais malditas, inventadas
E por lírios zombeteiros coroada.
...
Era Aline, no seu último abrigo
E a dor do novo não-nascido
e do seguir, do prosseguido
e abreviada.

Ironia

Riu, do alto calvário, o Galileu!
Da vil, e terrível ironia!
De quem a vida própria deu
E em troca, recebeu agonia
- Rir é tudo que me resta!
Disse com os olhos no ar
-Riam todos, riam dessas festa
-Não há porque chorar...
O galileu, gargalhou em loucura
Pela dor, ou por lembrar do passado
Ao sentir o sangue, a vista escura
Gargalhou! E estava tudo consumado

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Nhá Camila dizia para Júlio Cesar:
Levanta, menino, vá arrumar um serviço
Júlio Cesar, respondia depressa:
"Tô ino, mãe, tô ino!"
Garoto danado, fugia da lida
Comadre Camila, berrava ligeiro
Acorda, menino, arruma um emprego!
Levanta safado, acorda pra vida!

Júlio Cesar um dia acordou
No pé, o chinelo, maleta sem fundo
Menino danado, se embriagou
Com cheiro de novo do oco do mundo.

João do Mar

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Schrödinger II

Descanso, a tarde, numa sombra
Que se alonga conforme o tempo passa
Ouço revoar alguma garça
Escondida nalgum canto da obra

Estando ali, estaria onde?
Senão ali, deitado e calado?
Quem abriu este balaio de gato
Quem descarrilhou o bonde?

Que olho curioso fez real esse universo?
Qual era a alternativa, qual seria o resultado?
E se o tempo ido fosse agora revogado?
E se tudo fosse novo, anulado ou inverso?

Descanso? A tarde já vai se despedindo
Um gato preto pula pelo muro do regato
"Talvez a vida seja o chorar o que foi perdido"
E a nossa curiosidade quase sempre mata o gato.

Schrödinger

Pelo sim e pelo não
Quebrei alguns cartões
Alguns, não, todos eles
Remendei calças e gravatas
Revindiquei reinos e coroas

Pelo sim e pelo não
Garanti horas-extras
Fiz alguns inimigos
Bebi mais que devia
Falei mais que queria

Pelo sim e pelo não
Fiz e não fiz
amei e não amei
Odiei
Roguei pragas
Abençoei

Pelo sim e pelo não
Transcendi
Eclodi
E agora
Poderia estar morto ou vivo
E a questão nem seria essa
Morto ou vivo, morto e vivo
talvez vivo.

sábado, 10 de agosto de 2013

Se faço versos endiabrados
cabe a mim só o julgamento
Se faço acordes desmantelados
Porque te dói? Porque o tormento?

Meu verso é como fosse o mar
Revoltoso, escuro, profundo
ou calmo, alegre, de se nadar
mas sempre há toda água do mundo!

Reclamas, reclamas, reclamas também
Revolta-se sempre.Que é isso, menina!
Ou meus versos a senhora abomina,
Ou no fundo me quer bem.



terça-feira, 6 de agosto de 2013

Amanhã.

Amanhã
faço a barba
corto laços
quebro barras
lanço moda
minha alma de fora
vou viajar
Paro de fumar
vou ver a lua
ando na rua
vou ver o mar
Amanhã,só
Ah! O Amanhã...
Planejado, discutido
e sentenciado
Prova inconcreta
Quintessência
da existência
do "deixa pra lá"

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Desacatamos a lógica
Quando incremos
Crer, é ser e ver
É estar em órbita
Essa incrença mórbida
Nos faz nos fazer
pequenos.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

As manhãs de fogo são lembranças
As tardes abençoadas, um boato
As noites perfumadas, rumor

A constante, real, é a mudança
Quanto menos sol e cheiro de mato
Bem menos muda ou perfuma o amor.

Divagações invernantes

O frio pagão roí os ossos
E faz-me lembrar do verão
Deveríamos ter no amor, a posição que temos
diante do verão:
Alguns parecem longos, outros curtos
Alguns queimam nossa pele, outros só nos abafam
Alguns são difíceis de esquecer.
Mas todos, todos eles, passam.
E dão lugar ao frio
Pagão
Que rói os ossos.

sábado, 13 de julho de 2013

A Janta número 2

Meio milhão de anos
Meio a meio, ano difícil.
E no meio da alcova mais sombria do edifício
jantamo-nos.



A Janta número 1

No cardápio havia
Três padre-nossos
Sete ave-Marias
Quais mãos suariam
Mais que as minhas?
No final,
Fio dental,
E mil Salve-Rainhas!



sábado, 29 de junho de 2013

[Pan][spermia]

Eu, pedra voadora
Tu, solo quente
eu, monossílabo
Ar, ofegante
Tu, decassílaba
Soneto, comburente
Acendemos, neste atrito
O sábado, como em guerra.
Satisfeito, o seu grito
Fez chover vida na Terra.



Para Pan.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Correio Elegante II

Conta a lenda, que Eros
Ao ver Psiquê em sono profundo
Quis deixa-la assim.
Pois nele, morava um medo
de inexistir.
E Psiquê, ao contrário
Sonhava que Eros a acordava.
Pois toda sua dor, foi querendo encontrá-lo
Pois amar, dizem os antigos, está nesse momento:
- De deixar-se dormir por medo, querendo acordar por esperança.






domingo, 16 de junho de 2013

Correio Elegante.

Psicodélicamente superlativos
esses neologismos almáticos
que na analogia dos olhos encontrados
romanceiam com a morenêz das peles e pelejas,

estamos endomingados!

Acabados nas cadeias
pensando, filosoficamente, refletindo
sobre os largos espaços,
Quilômetros, anos-luzindo
entre as cordilheiras das cadeiras
e as selvas densas das geladeiras

Entre o ente dessa falácia
e o inconsciente que não tem beira
Moraria, de boa, em Recife
Ou no vão
infinito
que há entre o hoje
e a sexta-feira

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Del Castillo

I

Devasta-me con tus lábios.
Ahogarme con sus ojos negros
Hago letra de tu nombre
Déjame vivir en la palabra que define
Y morir en sus senos
Renacer en su vientre
Y dormir bajo tu sombra.

II

¿Recuerdas cuando en amplias fronteras
Bailaron y cantaron a las estrelas
Cuando éramos dioses, sólo porque amamos?
Subido en el hombro, tocó el cielo
Y yo, contento de pedestal
Como santa pagana
Para mí
Era dulce
Y atrevido.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Floresta Miranda, Floresta.

Doce tempo escuro
Na boca, sabor metálico
Nas vistas, vermelho-barro
No fundo, rostos conhecidos
Em mim, versos esquecidos
Aplausos
Sorriso largo, risadas fáceis
Azul desbotado
Na profusão estranha de cores de ontem
Encontrei-me com Pena
E o seu azul, ele diria:
Me desbotaria.

Ferrão

quarta-feira, 29 de maio de 2013

A Solidão e Sua Porta


 Quando mais nada resistir que valha
a pena de viver e a dor de amar
E quando nada mais interessar
(nem o torpor do sono que se espalha)
Quando pelo desuso da navalha
A barba livremente caminhar
e até Deus em silêncio se afastar
deixando-te sozinho na batalha

Arquitetar na sombra a despedida
Deste mundo que te foi contraditório
Lembra-te que afinal te resta a vida

Com tudo que é insolvente e provisório
e de que ainda tens uma saída
Entrar no acaso e amar o transitório.



Carlos Pena Filho

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Joaquim

A Babilônia comeu meu nome, minha identidade, meu retrato
A Babilônia comeu João Cabral, Drummond, Guimarães, e Quintana
A Babilônia me ensinou inglês, me fez pintar o céu de azul, só azul
A Babilônia me pegou muito cedo, e me ensinou a trabalhar
Faminta, a Babilônia devorou minha paciência, minhas prioridades, minha auto-esclerose
Jantou na casa dos meus pais certa vez, e sugeriu que eu fizesse faculdade
Sem fastio, devorou meus sarais, meus joelhos e colunas
Meus sonetos, meus dedos e olhos
Meus haikais e meus pés
Minha esperança no amor
Minha fé
Não satisfeita, cuspiu os meus nervos e me jogou os ossos
Tentei fugir da voragem
Ela drenou os canais, os rios, os mares
Comeu os caminhos, comeu os atalhos
Quando satisfeita do banquete, apertou as últimas veredas num guardanapo e as fumou.

(Ferrão)

domingo, 19 de maio de 2013

Poética da Intorpecência


- Foi Dito que somos pó, meu amor.
E ao pó retornaremos
antes disso, cheiremo-nos!
Garçom,dois canudos por favor!


(Ferrão)


Carnage.


Quando talvez em sonho
Sonharmos com nossa casa de janelas grandes
onde possamos ver a chuva
Onde não seríamos nós, cansados der ser nós....

Se houvesse mais paixão onde antes existia o amor
Talvez as janelas fossem reais, a chuva fosse real...

Tudo é irreal, mesquinho e azedo.
E chuva inexistente, inexplicável
Cai insistentemente nesse verão...

Vou, talvez, quem sabe, procurar outra irrealidade
Amor não, paixão não, talvez alguma vontade de não passar
o carnaval sozinho
 
(Ferrão)